Leonardo Spindolo Choves, Koren Campos Rodrigues, Deusdeni Carolino de Oliveira e Sérgio Santos Gou/ort, do Soneogo - Companhia de Saneamento de Goiás
O artigo apresenta o projeto de melhorias na rede de distribuição de água em Crixás, situada na região norte de Goiás. Com quase 13 mil habitantes e 4670 ligações de água, a cidade tem como uma de suas principais atividades a extração de metais preciosos, principalmente ouro, retirado do subsolo a uma profundidade superior a 400 metros.
O abastecimento local é realizado por águas de superfície (60% do total) e subterrâneas. A qualidade de água do manancial de superfície não apresenta problemas; já a captação dos três poços tubulares profundos tem elevado teor de ferro e manganês, possivelmente vindo do subsolo. Após passar pelo tratamento, a água recebe o cloro e é conduzida por meio de 64 mil metros de tubulações à cidade. Na tubulação, há uma reação química dos íons de ferro (Fe2+) com os do cloro (CJ-), formando o cloreto férrico (FeCl2), que apresenta cor de tonalidade amarronzada. Com o passar dos anos, ocorreu a deposição desse material nas paredes dos tubos das redes de distribuição de água.
Ao interromper o abastecimento da cidade por quaisquer motivos, seja rompimento de rede, queima de equipamentos ou falta de energia, no restabelecimento do serviço a pressão da água causa o arraste das incrustações nas paredes dos tubos, fazendo com que as partículas fiquem em suspensão. A água fica com aspecto turvo e tonalidade marrom, principalmente nos trechos onde há pontas de rede desprovidas de registros de descarga.
O procedimento indicado para a remoção das incrustações nas paredes dos tubos é a limpeza química. Para tanto, é necessário fazer uma análise do tipo de incrustação existente e determinar o desincrustante a ser utilizado.
Segundo a ficha do fabricante, o desincrustante é um produto líquido à base de ácidos orgânicos combinados para uso na limpeza de poços tubulares em operação. É um líquido viscoso, incolor, sem odor e solúvel em água, biodegradável e capaz de remover incrustações de carbonatos contendo cálcio, magnésio, ferro, manganês, etc.
Para o manuseio do produto foram utilizados EPls - equipamentos de proteção individual como luvas de borracha nitrílica e óculos de segurança. Água destilada foi mantida à disposição para a lavagem dos olhos em caso de contato com o produto.
A limpeza química das redes em uma cidade requer um planejamento minucioso, que inclui:
• preparo das redes de distribuição;
• quantidade de material a ser adquirido;
• área de influência de cada reservatório;
• número de ligações existentes;
• treinamento dos agentes envolvidos, do laboratório de análise e da imprensa, a qual tem o objetivo de informar à população da cidade os procedimentos e prazos para execução dos serviços.
Metodologia
Inicialmente foi elaborado um projeto técnico contendo as intervenções necessárias, como a execução de extensões de rede, visando eliminar as pontas existentes, e a instalação de registros de descarga para limpeza das redes. No total foram feitas 20 melhorias.
Como mencionado, Crixás possui três reservatórios de abastecimento. No limite da área de cada reservatório há diversas pontas de rede, bem como no restante da cidade. Por isso foi necessária a instalação de registros de descarga para permitir a limpeza da rede por arraste.
Entretanto, antes de executar as melhorias, o cadastro técnico das redes de distribuição de água da cidade foi atualizado. Para determinar os pontos a serem interligados, foi aplicado o modelo hidráulico do sistema. Para isso foi necessária a atualização, no modelo, dos diversos pontos onde havia problema de qualidade de água. Por meio do ambiente computacional CAD, o cadastro de redes foi atualizado e convertido para o software EPANET, uma ferramenta de apoio à análise do sistema de distribui- ção, que simula o sentido mais provável do percurso da água, bem
como a pressão nos pontos onde se deseja instalar os registros de descarga, para posterior limpeza da rede. A partir daí foi traçado o plano para o trabalho.
As melhorias previstas foram as seguintes:
• Interligação: extensão de redes com objetivo de eliminar com as "pontas de rede", locais pontuais sujeitos a elevados índices de turbidez.
• Desinterligação: visa isolar as áreas de influência de cada reservatório, de modo a criar módulos que facilitem as atividades de manutenção, pois reduz a área que será afetada pela intervenção, causando menos transtornos à população. A colocação dos registros de gaveta para manobra também foi pensada com vistas a modular a cidade.
Quanto aos registros denominados como descarga, são registros de gaveta comuns colocados em pontos específicos da rede, geralmente de menor cota, para realizar a descarga periodicamente e retirar possíveis partículas acumuladas que podem elevar a turbidez da água, além de propiciar a limpeza da rede devido ao arraste.
O fabricante recomenda a aplicação do produto com a concentração de 0,70/o a 1 %, e que a solução aja por, no mínimo, 6 horas nas tubulações, para somente então realizar as descargas das redes. Dessa atividade decorre a importância de separar a área de influência de cada reservatório (figura 1 ).
Sabendo que a concentração do produto deve variar de 0,70/o a 1 O/o e de posse do volume de água necessária para encher as redes abastecidas por cada reservatório, foi possível calcular a quantidade de produto a ser utilizada em cada reservatório e sua respectiva área de influência.
A população foi informada da atividade de limpeza por meio de avisos em diversos meios de comunicação como rádios, carros de som, redes sociais, panfletos distribuídos com todas as orienta- ções e informações necessárias dos procedimentos antes, durante e após a aplicação do produto de limpeza da rede.
Também foi informada a data e horário em que poderiam ser abertas as torneiras mais próximas do hidrômetro e que a água deverá escorrer por 1 minuto para eliminar os resíduos que podem ter ficado na rede.
Foram calculados o nível e a lâmina de água a ser deixado em cada reservatório para atingir a concentração recomendada pelo fabricante. No campo realizou-se o monitoramento do nível dos reservatórios por meio do sistema automatizado da Saneago, com medições da altura da lâmina da água. Ao atingir o nível desejado, o produto foi aplicado e em seguida aberto o registro de cada reservatório, liberando-o para as redes de abastecimento.
O produto permaneceu na rede por 6 horas, após o processo de descarga nas redes, a qual foi realizada até que a água não apresentasse cor, odor e sabor, e que o pH estivesse na faixa entre 6 e 7. Para tanto foram utilizadas fitas adesivas (ao chegar no valor do pH desejado, os registros de descargas eram fechados). Também foi realizada a limpeza dos três reservatórios, no período em que o desincrustante reagia nas redes de distribuição.
Após as atividades de limpeza das redes foi feito o monitoramento da eficiência da atividade e definição de eventuais medidas adicionais para melhorar a qualidade da água. Ficou acertado que para cada ponto de descarga após a aplicação do desincrustante seriam realizadas descargas três vezes por semana visando retirar algum resíduo remanescente nas redes por meio do arraste. Portanto, é sempre importante que a pressão no ponto de descarga seja superior a 20 mca e a velocidade não seja inferior a 0,7 m/s.
Considerações finais
A limpeza química das redes de distribuição de água com desincrustante se mostrou bastante eficaz. A qualidade da água após a aplicação apresenta índices de turbidez, cor, teor de ferro, manganês dentro dos parâmetros determinados pela Portaria 2914/2004 (tabela 1).
Além de melhorar a qualidade da água distribuída, sem alteração do gosto, sabor e odor, o aspecto visual é muito importante, já que a população tem uma água límpida, transparente e sem partículas em suspensão em suas torneiras, evitando assim reclamações.
É evidente que para manter a qualidade da água distribuída, é necessário que os agentes locais criem uma rotina de realizar descarga nas redes se manalmente visando evitar acúmulo de partículas em suspensão, que podem alterar o aspecto visual da água, além de investir também no tratamento para a remoção total do ferro.
A aplicação do produto em locais de baixa pressão não trouxe resultados satisfatórios devido à baixa velocidade da água e do pouco arraste das partículas incrustadas nas paredes das tubulações. Portanto, esse tipo de limpeza apresentou melhores resultados em locais com pressões entre 15 e 45 mca.
Fonte: Revista Hydro